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  • Foto do escritorJornal Poiésis

A minha verdade, a sua verdade e a verdade



Julia Barány*


Você chega a este mundo com sua mala de viagem com lições que você escolheu aprender e com os recursos das lições já aprendidas para ajudá-lo na sua missão. Ao aterrissar, você passa pela câmera de descompressão, composta por sua mãe, sua família e o ambiente no qual você vai tirar da mala e usar o que trouxe. Se você for afortunado e isso fizer parte de sua escolha, terá incentivo, compreensão e apoio. Senão, a verdade dos outros abafará a sua e a chama poderá se extinguir ou se tornar tão fraquinha que não conseguirá acender o seu luzeiro. E você guarda sua mala em algum sótão bem escondido e esquecido.


Você vai construindo uma verdade adotiva, substituta, para ser aceito e protegido enquanto for indefeso e imaturo. É uma questão de sobrevivência. Essa verdade substituta vai sendo costurada de retalhos das verdades dos seus cuidadores, do seu ambiente escolar, de seu ambiente de trabalho, de algum guru – pessoa ou grupo – com quem você se encantou, seja religioso, seja institucional, seja familiar, seja empresarial, pela convicção dele de possuir a verdade e dá-la a você. Isso lhe proporciona conforto e segurança. Apela para o seu instinto gregário e de pertencimento. Você se sente parte de uma irmandade e passa a defender a verdade do outro como se fosse a sua. “Veste a camisa” do outro, sentindo-se parte de um glorioso movimento de defesa de um elevado ideal. De tanto praticar esta colcha de retalhos, você acaba achando de fato que ela é sua. Você vai aos poucos usando os trejeitos, as frases, os conceitos da pessoa ou do grupo e, sem ao menos perceber, abandona seu próprio discernimento e assume o discernimento deles. Como esse estado de coisas funcionou para você continuar vivo, você vai em frente. E quando a verdade do outro é diferente desta, você se sente ameaçado e necessitado em defendê-la a qualquer custo. A irmandade usa a mesma língua, as mesmas ideias, criando uma ilusão de entendimento mútuo perfeito. Mas isso só dura enquanto você estiver nos trilhos deles. No momento que você descarrilha, você é isolado, segregado e julgado. Você vira o bode expiatório ou a ovelha negra ou o inimigo que precisa ser eliminado.


Existe ainda a verdade imposta por uma gangue, um grupo poderoso pela lei do mais forte, que usa o medo e o instinto de sobrevivência humana para dominar. Ou você se submete ou morre. Pequenas instâncias dessa verdade imposta já se fazem conhecer na escola, quando as crianças ainda não aprenderam a ser sociais, em que o diferente, o defeituoso, o mais fraco é execrado, zombado e segregado. É a verdade cinzenta da manada.


Neste emaranhado, onde está você?


E onde está a verdade?


A verdade verdadeira não precisa ser defendida. Ela precisa ser praticada. Quando praticada, ela se estabelece por sua integridade. Inquestionável. Àqueles que não têm olhos para ver não adianta mostrar. Só verão quando desenvolverem visão para tanto. Então, a verdade verdadeira nem dá para defender. Pois não dá para forçar ninguém a ver enquanto não for capaz de ver. Você só se posiciona, e não arreda pé. Você se posiciona por você.


A verdade verdadeira precisa de terreno fértil para se estabelecer. No lamaçal fétido da falsidade não tem como vingar. Ela se reserva para os puros de coração, e então se estabelece em toda sua majestade e esplendor. Por isso a cicuta, a cruz, o patíbulo, a arena dos leões, a fogueira, a guilhotina, o pelotão de fuzilamento, o tribunal da injustiça vêm e retiram a verdade do poço da inconsciência e guardam numa instância acima do bem e do mal. Pois é lá que é sua morada.


Dá para saber quando é verdade verdadeira pelos seus sinais. Ao ser tocado por ela, você se sente pleno. Simplesmente. Uma sensação de integridade inigualável a qualquer sensação de instinto gregário. Porque a verdade verdadeira liberta, não aprisiona nem cerceia, fortalece, eleva e une você à eternidade.


Você não precisa se comprometer com a verdade verdadeira. Ela é que se compromete com o que há de verdadeiro em você e então você sabe.


**Júlia Bárány é psicanalista, sócia-fundadora, editora, diretora editorial e tradutora (inglês e espanhol) na Editora Mercuryo e atualmente na Barany Editora, autora do livro "O Mal disfarçado de Bem: manual de sobrevivência para vítimas de psicopata" (Barany Editora, 2017)


http://jbaranyart.wordpress.com

www.baranyeditora.com.br

www.superasas.com.br

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