Jornal Poiésis
A MÍDIA FACEBOOK

Gerson Valle
Nunca ouvi, de algumas pessoas que criticam o facebook, as mesmas restrições ao jornal impresso. No entanto, são mídias que se equivalem, estando o jornal impresso em decadência e o facebook com grande manipulação. Pegue-se um jornal impresso de muitos anos atrás. Notícias, comentários sobre elas, tiradas humorísticas, comerciais, crônicas, poemas, entrevistas, fotografias, seções de diversos tipos, como as de memórias de lugar e de pessoas, etc. Tudo isto ocorre no facebook, com o acréscimo bastante enriquecedor de filmes, que podem documentar acontecimentos, lembrar de cenas de cinema, televisão, da vida real, havendo estreita correspondência com material de livros, reprodução de textos em prosa e em poesia de vários autores, etc. Os críticos desta nova mídia não dão os devidos créditos ao amadorismo dos “autores” sem carteira assinada, remuneração ou até diploma universitário. Como se os jornais de todos os tempos exigissem essas coisas de seus colaboradores. Indo mais para trás, “jornalista” era quem trabalhava em jornal, nem havia faculdade de Comunicação. “Mas, - ainda argumentam – esse ‘não profissionalismo’ não responde pela veracidade e autenticidade das matérias postadas. Criam as “fake-news”! Ah, é? Quem disse que as falsas notícias foram criadas com as redes sociais? Quando eu era garoto dois jornais, por exemplo, confrontavam-se diariamente no Rio de Janeiro, dando notícias e fazendo comentários opostos. O “Tribuna da Imprensa”, onde atuava o político da oposição Carlos Lacerda, que criou a expressão “mar de lama” para o governo de Getúlio Vargas, sempre apresentando matérias que pudessem sujar mais o tal mar. E o “Última Hora”, de Samuel Wainer, que exaltava o nacionalismo do governo Getúlio, mostrando a situação de forma diversa do outro jornal. Onde estava a verdade no dia a dia de noticias truncadas e comentários malévolos?
Ainda no Rio, o jornal “O Globo”, era tão submisso às riquezas materiais e culturais norte-americanas, que encaminhava as seções, notícias, comentários, para formar uma mentalidade pública receptiva aos interesses do país do Norte. Por isto, muitas pessoas chamavam-no de “The Globe”. Em 1964 houve um golpe militar orquestrado por interesses dos Estados Unidos, que chegaram a manter navio de prontidão na costa brasileira para ajudar no que pudesse seu domínio econômico sobre o país. O Globo preparou a mentalidade de seus leitores para aceitarem qualquer manifestação que contrariasse o governo de João Goulart, taxando-o de comunista, por defender nacionalizações, melhoria nas diferenças sociais, reforma agrária, e coisas que tais. Incitou e propagou ao máximo passeatas “por Deus, família e tradição” em apoio ao golpe. Já, ainda no Rio, o jornal “Correio da Manhã” quando a ditadura tornou-se mais acirrada, não podendo divulgar o que se passava por ser censurado, usou da estratégia de publicar receitas culinárias em seções políticas, e de fazer a previsão do tempo como sendo sempre negro, com trovoadas, etc. Com a mídia televisão, no mesmo grupo de “O Globo”, nas vésperas da eleição de 1989, montou-se uma entrevista entre os dois concorrentes, Collor e Lula, de forma a parecer que o primeiro era a renovação jovem, pessoa sadia, com vida bem sucedida, e o segundo fosse um oportunista ignorante, safado e tudo de ruim. Tudo isto conseguido com o uso técnico na montagem do que filmaram. No interesse mais recente do afastamento de Lula e do PT da vida nacional, o Globo fez uma campanha sem provas, aproveitando o fato de seu governo ter continuado práticas nefastas políticas que sempre existiram em nossa democracia (e, portanto, não foi aí inventada, e nunca deixou de existir em nenhum governo) para acusá-lo forte e reiteradamente de se ter aproveitado da posição de presidente para receber um apartamento e um sítio que nunca foram dele... E de tal forma as “fake-news” foram tecnicamente apresentadas, que convenceram o grosso da população, até hoje desconfiada dessas notícias espalhadas serem de fato verdadeiras.
Portanto, as distorções possíveis nas divulgações do facebook não se afastam das que sempre ocorreram nos jornais impressos. Falta-lhe o alinhamento e até estilo de composição que mantinham. Mas isto talvez seja até benéfico, pois recebe todo tipo de manifestação e sob múltiplas formas. E, com isto deixa maior a liberdade de escolha em sua apreciação, não impondo um partidarismo ideológico.
Infelizmente, a maior parte das pessoas ainda não percebeu dos vastíssimos “meios” (“media”) de que dispõe com o facebook. E ao se ter acesso a ele, pensa-se ser apenas um instrumento de divulgação personalíssimo, preenchendo vaidades e/ou comercialização. Talvez esta tenha sido a intenção em sua criação. Quase que vindo com a recomendação de não se usar nele textos longos, nem ditos profundos. Uma limitação trazida a seus usuários como que a instigá-los a utilizar seu tempo correndo postagens curtas, fotos, elogios fúteis, lugares comuns na pretensão de cortesia, piadas, e tal. De manifestações curtas em manifestações curtas preenche-se o longo tempo das pessoas. E as habitua ao convívio cultural sem nenhum aprofundamento em coisa alguma. Lê-se muito? É verdade. Lê-se muita frase curta e nenhuma construção filosófica ou literária que requeiram espaços maiores para se desenvolverem. É claro que isto forma mentalidades afeitas a este tipo de leitura, que as afasta dos livros de conteúdos mais significativos. Como também da reflexão sobre a existência, o mundo, a cultura, filosofia, política... Há, evidente, interesses escusos atrás disto: um povo sem discernimento, subjugado, viciado nas redes sociais, sem mais iniciativas, estratégia contra os abusos dos poderes político, econômico...
Por outro lado, pode-se ainda criticar o fato de as pessoas que postam textos no facebook não passarem pelo crivo intelectual ou acadêmico, artístico ou literário que se supunha haver nos jornais tradicionais. Mas, quem disse que os grandes comentaristas não se fizeram à custa da própria aprovação dos leitores, como pode ainda ocorrer no facebook? Claro que nunca haverá a leitura de tudo que se posta. O usuário irá filtrando, como o leitor também fazia nos jornais.
A grande novidade é a abertura a um número incomensuravelmente maior de “autores” que nos jornais do passado. E oportunidades técnicas de manifestações imensamente maiores. Realmente uma nova mídia revolucionária e magnífica. Vamos usá-la com sabedoria? Não apenas citando trechos literários e/ou de reflexão maior na expectativa que o leitor vá procurá-los em livros. Isto não existe. Se o novo usuário, viciado nas redes, não se interessa nem encontra tempo dessas leituras aí, não terá nem tempo nem interesse em livros. O facebook é uma nova mídia. Então, é nela que se tem de vivenciar culturalmente. E nela se ler, visualizar, ouvir tudo, sem limite de extensão nem temático. É aí que se tem de formar os hábitos e vivências culturais, pois os outros, mesmo livros (por mais que isto me doe) já não estão sendo usados na mesma proporção. Coragem, e em frente! Usemos as ferramentas que são mais modernas. São só ferramentas, “media”, meios. Nossos conhecimentos, criatividade, reflexão é que são nossa essência. Superemos McLuhan, que pela metade século XX achava que o meio era a mensagem, tudo simplificando, e formando gerações de idiotas sem grandes reflexões, como se não refletir, aprofundar-se, acompanhar longas caminhadas intelectuais pudessem ser substituídos por signos, símbolos, sem lhes penetrar no significado! Procuremos nossa integralidade de ser, numa oportunidade agora existente talvez nunca igual nas mídias do passado.
Gerson Valle é escritor e poeta, formado em Direito, já tendo publicado 6 livros de Poesia, 5 de ficção, tradução de Gustavo Adolfo Bécquer, um livro sobre arte e política, 3 livros sobre Direito e mais de 500 artigos em periódicos do Brasil, da França, Itália e Áustria (sobre Música, Literatura, resenhas, Política, Cinema, crônicas, contos, poemas).