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  • Foto do escritorJornal Poiésis

A luta dos seringueiros – poder local contra a hegemonia capitalista



Francisco Pontes de Miranda Ferreira


Na década de 1980 os seringueiros ganharam reconhecimento nacional e internacional com a implantação das primeiras Reservas Extrativistas, após a morte de Chico Mendes. Transformaram-se num paradigma, exemplo de sustentabilidade. Esta transição contou com a construção de um discurso hegemônico no qual estratégias de luta se concretizaram. Os “povos da floresta” se tornaram referência da resistência ecológica. Apesar de várias interpretações, o fato é que a transformação de grandes áreas florestais em áreas públicas para uso coletivo de práticas tradicionais foi um sucesso. Alguns denunciam que certas lutas de povos marginais são incentivadas por grupos de fora para barrar o desenvolvimento. Este não parece ser o caso dos seringueiros da Amazônia que tiveram uma complexa estratégia de saírem da marginalidade, ganharem visibilidade, apropriarem-se do discurso ambientalista e incorporarem tudo isso às práticas locais e tradicionais (ALMEIDA, 2004).


O contexto internacional de expansão agressiva do capitalismo, abriu espaço para novas vozes e alternativas. De várias formas, atos e crenças periféricas articulam-se com agendas mundiais. Processos altamente criativos surgem nas periferias de situações de desordem. A Amazônia parecia seguir um curso linear histórico de modernização capitalista como fronteira para a expansão dos lucros. As comunidades tradicionais e seus modos de vida pareciam condenados a desaparecerem. No entanto, grupos indígenas e de seringueiros se tornaram agentes ativos e não vítimas, ganharam reconhecimento e conquistaram direitos.


História

A ocupação do Acre na fronteira com o Peru e a Bolívia foi caracterizada pela busca por terras que podiam proporcionar altos lucros, com a exploração da borracha. Trabalhadores foram trazidos com alto custo do Nordeste do país, para substituírem os índios que foram praticamente dizimados. Os trabalhadores tomavam conta de setores de seringais e viviam em permanente dívida com o posto de comércio local, denominado de barracão. A borracha era transportada via fluvial até Belém e de lá para os portos da Inglaterra e dos Estados Unidos. As mercadorias para uso diário dos moradores vinham também de barco. Formava-se uma extensa rede comercial que envolvia do nível local até as empresas internacionais. Em 1912, a Amazônia brasileira produziu 42 mil toneladas de borracha. Logo em seguida a Malásia entrou na concorrência e um 1920 a Ásia produziu 400 mil toneladas, vendendo a borracha a preços bem mais baixos. Com isso, muitos largaram seus negócios na Amazônia relacionados com a borracha e várias empresas faliram. Os seringueiros passaram então a usar as terras também para suas plantações de subsistência. Os trabalhadores, de proletários se converteram em camponeses. Mas, esta situação não durou muito. A partir da Segunda Guerra, os Estados Unidos, com a dificuldade de obter a borracha da Ásia, realizou um acordo com o Presidente Vargas para obter o produto da Amazônia. Voltaram os patrões, os endividamentos e o trabalho escravo. Depois da Guerra, estabelece-se um período em que seringueiros extraem o látex em áreas extensas, seus familiares praticam a agricultura de subsistência, os patrões não têm muito controle e muita borracha é contrabandeada (ALMEIDA, 2004).


Na década de 1970 a ditadura militar procura promover a incorporação da Amazônia na economia nacional e internacional. A especulação imobiliária chega na região do Acre e na década seguinte chegam as madeireiras e seus tratores – depredando a floresta e expulsando os moradores tradicionais.


Desde 1979, no município de Cruzeiro do Sul no Acre, já havia um Sindicato de Trabalhadores Rurais, liderado por João Maia. Uma revolta de seringueiros já tinha ocorrido no Seringal Alagoas. Os proprietários dos barracões continuavam a forçar os trabalhadores a contraírem dívidas e começaram a utilizar, junto com os madeireiros, tropas que espancavam, confiscavam bens e exigiam o pagamento forçado de dívidas. O líder Chico Ginu conseguiu organizar seringueiros para expulsarem as tropas e iniciou-se a defesa pela floresta de pé, contra os madeireiros e a favor do extrativismo tradicional. Em Xapuri e Brasiléia, o sindicato rural impedia a derrubada da floresta com os chamados “empates”. Em Xapuri o movimento tinha apoio da Igreja Católica progressista, do PCdoB e de ONG. No entanto, em 1985, o movimento tinha pouca força para enfrentar os ataques violentos e as queimadas. O líder Chico Mendes procura então aliados externos e o “empate” de Bordon adquire visibilidade nacional e internacional. Chico Mendes convoca a imprensa e políticos e finalmente consegue acordos com o governo. Seringueiros de vários cantos da Amazônia se uniram com antropólogos, professores, políticos e ONG em Brasília e um povo desconhecido da floresta ganhou visibilidade e respeito. O conceito de Reserva Extrativista começa a ser desenhado – para serem terras da União, inspirado nas Reservas Indígenas. Afinal, só a ocupação coletiva poderia barrar a privatização. Em 1988, Chico Mendes se tornou líder do Conselho Nacional de Seringueiros e os “empates” continuavam junto com a luta pela consolidação das Reservas Extrativistas. Em dezembro, Chico Mendes é assassinado por fazendeiros. O novo líder Macedo se torna altamente carismático e como mestre da ayahuasca acaba atraindo mais apoio internacional. Foi o principal responsável pela criação da Reserva Extrativista do Alto Juruá (ALMEIDA, 2004)


“Ecologização” dos movimentos sociais


Podemos ressaltar a importância que agentes locais podem adquirir contra uma lógica dos poderes hegemônicos. Fatos novos e imprevisíveis abalam a história, contrários a uma tendência de que os seringueiros seriam expropriados pelo processo capitalista. Pelo contrário, surgiu a formação de terras coletivas para práticas tradicionais. Um movimento que emergiu nos cantos remotos da floresta conseguiu apoio de agentes a organizações internacionais de grande expressão. Seringueiros construíram capital material e simbólico para promoverem um acontecimento histórico imprevisível em que tendências estruturais são rompidas por um movimento local. Outro aspecto importante é o que chamamos de “ecologização” de movimentos sociais.


ALMEIDA, M. W. B. Direitos à Floresta e Ambientalismo: seringueiros e suas lutas, RBCS Vol. 19, 2004.


Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ) com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ), pósgraduação em História da Arte (PUC Rio), Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis. É diretor da Arcalama Serviços de Comunicação (www.arcalama.com.br).

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