Jornal Poiésis
A exuberância da simplicidade
Atualizado: 16 de nov. de 2020

Flávia Joss
Quando tive meu primeiro contato com a poeta Adélia Prado, confesso que seus versos não me impactaram tanto. Eu estava acostumada com o ultrarromantismo, com as metáforas e os hipérbatos do barroco, com o clássico Camões, com os sonetos de Vinícius, com as aliterações dos simbolistas, eu era uma menina que iniciava no caminho da poesia.
Precisei me despir de uma certa arrogância poética para enxergar a beleza que vinha das mãos da linda senhora que tem na face traços da minha avó. Descobri Bagagem, livro precioso, poesia profunda travestida de simplicidade. Poemas como Dona doida, Guia, Sedução e o antológico Com Licença Poética me arrebataram. Percorri seus outros livros e bebi cada palavra, cada verso, cada imagem. Enxerguei em sua escrita outros textos, fontes de inspiração para ela e tantos outros poetas, no entanto, mantinha-se brilhantemente original. No prefácio da 1ª edição de O coração disparado, segundo livro da escritora, o poeta Affonso Romano de Sant’ Anna escreveu: “Assistente de história da filosofia na faculdade de Divinópolis, na hora de escrever não filosofava, seguia aquele conselho de Mário, caía de quatro, com todas as vísceras no chão.”
Quem insiste em ver sua obra apenas pelo viés da fé, empobrece o olhar e a mulher/ escritora multifacetada e exuberante que ela é. Adélia é fé, corpo, palavra, poesia, singeleza e intensidade. Um dia desses estava ‘adeliando’ em meus pensamentos e escrevi o poemeto:
Cotidiano
Minha mãe, quando eu era menina,
Inventava uns ditados
Que em sua boca soava filosofia:
“Dia de muito riso é véspera de muito choro”
E ríamos em nossa meninice.
Tantos anos já passaram...
E diante do cotidiano
Entendi a dialética da vida
Sigo aprendendo a adeliar. Adeliano sou, adeliando vou.
Flávia Joss é Professora de Língua Portuguesa e Literatura, especialista em Gêneros textuais e Interação. Possui cursos de aperfeiçoamento nas áreas de Arte& Espiritualidade, Escrita Criativa e Poesia Falada.