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  • Foto do escritorJornal Poiésis

A era do “afaste-se”

Atualizado: 25 de jan. de 2021



Wellisson José*


Há um bom tempo venho lendo coisas do tipo: “afaste-se quando lhe fizerem isso...” “afaste-se quando lhe fizerem aquilo.” “Não tenha contato com pessoas tóxicas, afaste- se”. De um modo ainda não conhecido por mim (não me é oportuno buscar e aqui falar), isso ganhou muita força na internet e se alastra nas relações humanas reais. O tom que expressa essa grande nuvem de posts com essas mensagens conota algo positivo, imperativo e sem ressalvas. É assim que temos de nos portar para preservar nossa saúde mental, e, em casos extremos, física. Mas, temo que isso tenha instaurado em nós um modus operandi que tende a fracassar insistentemente.

Lançarei mão de alguns argumentos a fim de me contrapor a tal intrincado pensamento. O de que se deve evitar tudo que lhe é tóxico. Em primeira instância, lance fora tal pensamento e sentimento justamente pelo óbvio. O mundo é tóxico! Quando se traz isto para um exemplo prático de relação entre entes, humanos, pode parecer generalista demais colocar o mundo em paralelo com dois reles humanos, em que um acredita que o outro é tóxico e o tal age como deveras. Esse conceito (tóxico) por si só é genérico e pueril. Não pense que eu nego a existência de pessoas manipuladoras, agressivas, perturbadas, neuróticas, distímicas, e, em última instância, com transtornos mentais. Como se pode ver, tudo isso cabe no genérico conceito de tóxico. Caso acatemos o insistente imperativo do afaste-se, negaremo-nos o direito de vivenciar o que é real. Isto é, a natureza primeira do mundo; o contato. E, então, tudo que nos acerca é fardo que se deve lançar fora. E isso desemboca no fato de que as pessoas não se toleram e bem menos toleram o peso do mundo pós-moderno. O que aporta na famosa frase de Sartre; o inferno são os outros. O senso de responsabilidade para com tudo morreu, inclusive, o da própria existência. Afinal, tudo que a vista alcança e o tato incide, é o mundo. E, não por acaso, ele é tóxico. Não no sentido primeiro acima relatado, claro. Por conseguinte, qualquer ser humano aqui o é. Inclusive quem propaga esse imperativo.

Dito isso, como, então, seria a relação menos inútil que se deveria ter com o nosso querido mundo tóxico¿ Não afaste-se! isso mesmo. Não afaste-se de um indivíduo porque ele se opõe a você no seu discurso político, religioso, por aí vai... Ou mesmo porque você o considera arrogante, presunçoso. Lide! “A existência precede a essência” justamente porque a existência é contato, lida, ação. “Sofre-se mais quando tenta-se não sofrer”, dizia meu professor no segundo semestre do curso de psicologia. Percebo que é um fato. Outro professor meu, um menos teórico, mas não menos sábio, dizia, também, por volta do segundo semestre; “existem dores que não poderemos nos livrar... nos acostumaremos com ela, e, assim, à medida que isso for percebido, aprenderemos a lidar com ela.” Talvez esses não sejam os termos mais adequados para se dizer; aprenda a lidar com as dores do mundo. Mas, era isso que ele estava tentando nos fazer entender. Sendo redundante, o mundo é tóxico, e, caso queiramos nos afastar de todas as pessoas tóxicas estaremos negando a própria existência nele. Lidemos com o mundo e suas dores. A responsabilidade é sempre individual, mas aporta no outro e, assim, o devir apesar de trágico, bem como Frankl postula em sua tríade trágica da existência, será mais que “[...]o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra[..]” (BAUDELAIRE).

Já que mencionei a tríade trágica, cabe tecer algo mais para que as linhas acima não sejam agravantes demais. Tenho a sensação de que as pessoas que estão dispostas a todo custo se afastar de qualquer um que seja “tóxico” ou de algum modo lhe agrave seu peito, carregam uma crença nuclear de que são boas demais. Por esse motivo têm tanto ódio velado deste trágico e cruel mundo. Afinal, se são bons não merecem padecer os flagelos que lhe causam os outros. Assim, a narrativa da vítima permanece no solo de seus corações e não permite que ali nasça nada além desta retórica de que o inferno são os outros. É preciso conceber que o inferno somos nós e que morte, culpa e dor imprescindivelmente, nos sobrevirão sem distinção ou piedade.

Wellisson José é graduado em Psicologia pela Uninassau desde 2018 com ênfase em logoterapia, mora em Buriti dos Lopes-PI

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