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A complexidade da natureza no planejamento territorial



Francisco Pontes de Miranda Ferreira


Quando um terremoto ocorre, uma ruptura inicia-se em algum ponto fraco da crosta terrestre. O impacto inicial imediatamente atinge o entorno e as rupturas vão se propagando, rompendo os pontos com menor resistência até encontrar uma barreira mais forte que, finalmente, reduz drasticamente os impactos. Este estresse tectônico é constante, em que não há apenas um terremoto em jogo, mas um processo complexo e interrelacionado. Não há qualquer fenômeno isolado nessa dinâmica. Trata-se de uma totalidade complexa e auto-organizada com pontos críticos. Com essa visão devemos construir qualquer planejamento territorial, como o que trate de assuntos importantes como o saneamento básico. Na composição de uma bacia hidrográfica, base de qualquer planejamento territorial, todos os elementos naturais, como o ciclo hidrológico; sociais, como as políticas públicas ou construídos, como as estradas, ruas e edificações são pontos fortes ou fracos em permanente propagação.


A natureza está sempre longe de um ponto de equilíbrio, onde ocorre a auto-organização e os estados críticos. As leis da física são insuficientes para explicarmos a complexidade da natureza, que é composta por padrões complexos, presentes nas tempestades, terremotos e na evolução da vida no planeta. Começamos com a simples pergunta: porque a Terra não permaneceu como uma bola de cristal gasosa para sempre? Todo sistema com diversos componentes interagindo possui a tendência de tornar-se complexo e envolver-se com estados críticos. Interações entre elementos de um sistema se auto-organizam e assim geram a complexidade. BAK (1996) nos traz o exemplo de uma criança brincando com grãos de areia numa praia em que vai formando-se uma pilha. A medida em que a pilha de areia aumenta, deslizamentos vão ocorrendo. O sistema afasta-se do equilíbrio e torna-se complexo. Não há como explicarmos o mundo apenas com as leis da física e cálculos matemáticos. Nosso próprio celebro é altamente complexo, assim como nossa história com as guerras, instituições e sistemas políticos e econômicos. Nem computadores sofisticados podem calcular ou prever muitos fenômenos naturais, sociais ou construídos e várias explicações das ciências atuais aproximam-se da poesia ou de narrativas. Precisamos de novas perspectivas e novos paradigmas. A falta da visão complexa, assim como a construção de sistemas lineares dos fenômenos, pode nos levar às catástrofes.

Logo antes dos jogos olímpicos do Rio de Janeiro em 2016, a prefeitura implantou um sistema de transporte ligando o metrô da Barra da Tijuca com os distritos distantes de Campo Grande e Santa Cruz, chamado de BRT (Bus Rapid Transport). Logo o sistema entrou em colapso, devido ao asfalto ter cedido e crateras terem sido formadas nas pistas dos ônibus. Os planejadores do sistema de transporte não tiveram a preocupação de estudar a bacia hidrográfica envolvida e as pistas foram construídas em terrenos sedimentares e pantanosos, numa região com chuvas intensas no verão. Faltou a visão complexa. O mesmo acontece com sistemas de saneamento: água, esgoto, gerenciamento de resíduos sólidos e drenagem realizados de forma fragmentada e linear. O colapso é a tendência quando a complexidade do território é ignorada. O projeto do BRT também entrou em colapso porque não foi dimensionado corretamente a quantidade de usuários. A população de Campo Grande e de Santa Cruz sofre há muitos anos com a carência de transporte e o BRT não supriu a demanda e os ônibus e estações ficaram saturadas poucos dias depois da inauguração. Faltou a complexidade demográfica ser considerada e houve ausência de diálogo com a população. Foi um projeto linear.


BAK (1996) conta também a história de um físico que foi chamado para ajudar um fazendeiro a conseguir vacas que produzissem o máximo de leite e o cientista, finalmente, apresentou o projeto de uma vaca redonda. No entanto, temos que lidar com vacas verdadeiras. Da mesma forma, planejamento territorial tem que considerar a complexidade socioambiental das bacias hidrográficas inseridas.

Existe uma comunicação interativa entre todos os elementos sociais e naturais do território. Estes elementos criam um estado crítico em que qualquer fenômeno afeta os demais e pode provocar um impacto que atinge o todo. Um único fenômeno ignorado ou demasiadamente impactado pode ser suficiente para criar-se uma avalanche. Complexidade e auto-organização fazem parte de qualquer sistema vivo e temos que saber como nos encaixar, evitando-se catástrofes, mas produzindo impactos positivos que podem chegar próximo de um equilíbrio dinâmico. Para isso, é necessário desenvolvermos a visão da totalidade, levando-se em consideração a complexidade existente.

A ideia fascinante do cientista britânico, Jim Lovelock, de que a Terra é um único organismo vivo (Gaia) deve ser muito considerada. Todas as partes estão funcionalmente integradas nesta filosofia. Assim como no exemplo da pilha da areia acima ou do terremoto em que a ação de um único grão vai afetar o sistema como um todo. O sistema ecológico da Terra vem evoluindo na direção de um estado crítico e qualquer impacto deve, portanto, ser levado em consideração. Nosso cérebro opera num estado crítico e está suscetível a qualquer impacto interno ou externo. Trata-se de um sistema complexo com contatos e conexões, muito próximo de uma bacia hidrográfica. Barragens construídas na bacia podem provocar enchentes, assim como traumas no cérebro podem causar a falta de comunicação ou locomoção. Sistemas, como o de saneamento básico inseridos num território são complexos, auto-organizados e operam em estados críticos.


Referência

BAK, P. How Nature works: the science of self-organized criticality. New York: Spinger-Verlag, 1996.


Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ) com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ), pós graduação em História da Arte (PUC Rio), Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis.

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