Jornal Poiésis
A carne negra fede (Poesia)
Atualizado: 8 de jun. de 2020

Matheus Fernando*
A carne negra fede
Ela fede mais no nariz do branco que não pede
E não pede porque pedir é elevado, além do mais.
Para aquele que vive na casa grande
E não se mistura com a plebe
O serviço sujo sempre é pesado demais.
Mas porra...
Já não basta o tanto que eu já sofro?
Que já sofri?
Emigrado para essa terra fria
Agora tenho que ficar com a cara no chão
Só pra satisfazer o tesão
De alguém que por ter um distintivo na mão
Não me dá o direito nem de pedir socorro?
Mas que diacho de democracia é essa?
Que dá direito ao branco
Mas quando a carne é preta, nega?
Nega vela
Nega pressa
Torce a constituição à beça
E mesmo diante do grito que não cessa
Goza com o gozo de alegria que dá prazer para um
Mas para o outro a cara no chão esfrega?
No início da semana eu morri com uma bala nas costas em São Gonçalo
Ontem com o pé no pescoço a minha cara virou tapete no asfalto.
E no mês passado?
E qual a desculpa vocês irão dar amanhã
Para o assassinato de hoje que ano que vem já terá sido passado?
O que vocês fizeram com o corpo de Amarildo de Souza
Ele era pedreiro, isso foi em 2013
O corpo dele sumiu quando vocês subiram na favela da Rocinha no Rio de Janeiro
E olha que curioso, ele também era negro!
Até hoje ninguém conseguiu me dizer quem mandou matar Mariele
A banda podre da polícia
Política corrupta ri para o rico branco
Mas quando a carne é preta e pobre Ela mata.
E quando vocês mataram Evaldo no ano passado?
Ele era músico, 80 tiros por engano?
Mentira, isso foi assassinato!
A carne era negra
Fedia no nariz branco e corrupto daquele que mata.
João Pedro foi morto em São Gonçalo, dentro de casa
O menino foi atingido por um tiro de fuzil calibre 556 pelas costas dentro de casa!
E hoje ninguém já não fala mais nada.
A carne era negra
Fedia no nariz corrupto de vocês que nos mata.
E amanhã?
Quem de nós será o próximo da fila?
Nós só queremos viver em paz.
Não é de hoje que vocês sobem no morro atirando
Me negando a saída da escola!
E quando a bala é achada na cabeça daquele que estava no lugar errado ?
Nas costas daquele que não sabia de nada?
A nossa carne fede tanto no nariz de vocês assim?
Ou não é verdade que desde a colonização a gente é o trapo de imundícia
que limpa o chão fedido da sua casa?
Não é de hoje que limpamos a sua privada.
E agora quer dizer que eu virei bicho?
nessa jaula racista que moro já não basta?
Virei cachorro agora?
Virei Galinha?
Virei bicho pra você se divertir me usando de rinha?
A lei assegurava pelo menos até ontem que o seu preconceito fosse velado
Mas depois que fui obrigado a cheirar asfalto
Depois que o seu joelho sangrou minha cara…
A minha carne preta fede no seu nariz porque a sua corrupção nunca foi tratada!
A minha carne preta é magra
Porque a sua carne é gorda.
Racismo é crime
E eu não vou ficar calado se o Jornal Nacional já não fala mais nada!
O delivery de carne preta que começou antes de Serra Pelada
Precisa acabar.
Hoje eu escrevo
Mas tenho medo de amanhã sair na rua e ser o próximo morto
E ter que morrer como mais uma vítima que morre calada.
Poxa, eu não aguento mais isso
Em que mundo que eu estou criando os meus filhos?
Isso tem que parar
Pelo amor de Deus isso tem que acabar...
*Matheus Fernando é aluno de graduação em Psicologia na Universidade Federal Fluminense. É escritor que transita entre gêneros literários como poesia, crônica, conto, peça, ensaio e artigo. matheusfernando.contato@gmail.com