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2 Níveis de Participação dos grupos excluídos

Francisco Pontes de Miranda Ferreira
Assuntos importantes do território, como saneamento, interessa a todos, entretanto, são decididos por poucos. A participação pode ser uma excelente chance para o aumento da consciência cidadã e para elevar o poder dos excluídos. Alguns autores apontam escalas de medida para a participação política. ARNSTEIN (2002) afirma que o nível mais alto é quando a sociedade como um todo possui o poder de decisão. BORDENAVE (1994), por sua vez, define o grau máximo como o alcance da autogestão. O fato é que ainda vivemos numa sociedade em que o nível de participação é extremamente limitado. Participação de cidadãos está diretamente relacionada com poder cidadão. Trata-se de uma redistribuição do poder e da inclusão dos excluídos nos processos políticos para que os recursos sejam alocados a seu favor. No entanto, não basta a participação, é necessário adquirir influência direta nos processos.
A participação sem redistribuição de poder torna-se um processo vazio e frustrante e mantém o status quo (ARNSTEIN, 2002). De acordo com a autora, nos dois primeiros degraus de uma escada em busca da autonomia, não há participação e sim privilégio total dos tomadores de decisão. Nos dois degraus seguintes, há uma concessão limitada de poder e os excluídos podem apenas serem ouvidos. Nos próximos degraus, o poder de decisão continua não sendo garantido, mas há algumas concessões limitadas. Num degrau seguinte, os excluídos começam a conseguirem traçar parcerias. Até alcançar-se um degrau final em que os excluídos podem finalmente gerenciar os processos, ter delegação de poder e ocorrer o controle cidadão.

Fonte: https://www.researchgate.net/figure/Escada-da-participacao-Fonte-Arnstein-Sherry-R-A-Ladder-of-Citizen-Participation_fig1_327513045
‘A intenção da autora foi destacar que existem graus diferentes de participação política e uma demanda constante por maior participação por parte dos excluídos e esta batalha por conquistas de poder acontece em todos os níveis da sociedade. Os poderosos exercem uma resistência à distribuição do poder que inclui o racismo, o paternalismo e diversos tipos de preconceitos como parte do processo. Os excluídos sofrem várias formas de repressão que inclui também o menor acesso à educação e informação e obstáculos diversos às possibilidades de organização. A alienação e a desconfiança também estão presentes neste processos, assim como interesses pessoais. No degrau “manipulação” pessoas são convidadas à participarem de conselhos, mas sem o real poder de decisão. Assim projetos de interesse dos poderosos são facilmente aprovados.
Nas reuniões dos comitês consultivos populares, eram os técnicos do setor público que educavam, persuadiam e aconselhavam os cidadãos e não o contrário (ARNSTEIN, 2002: 6).
Neste caso não há transparência e muitas informações são propositalmente omitidas. Não se percebe, mas negociações já aconteceram entre os empresários e o poder público, destaca a autora. Os conselheiros vão depois perceberem que estavam despreparados e deixaram de fazer os questionamentos necessários, não fizeram exigências importantes e não compreenderam alguns processos jurídicos envolvidos. Fato que só vai exacerbar os conflitos sociais e as desigualdades territoriais. Na fase que a autora chama de “terapia” há uma postura arrogante e desonesta por parte dos poderosos:
Os especialistas, na verdade, submetem as pessoas à terapia grupal. O que torna esta forma de participação tão ofensiva é que as pessoas são envolvidas em atividades, mas o foco está em curá-las de suas patologias, ao invés de mudar o racismo e a violência que originaram suas patologias (ARNSTEIN, 2002: 17).
Assim cidadãos excluídos são chamados para participarem de campanhas diversas, como limpeza dos rios e grupos de combate à violência no bairro, mas a complexidade dos problemas e suas origens não são tratadas. Semelhante acontece no degrau “informação” em que técnicos explicam os problemas e apontam os direitos dos cidadãos, mas sem o devido retorno e reconhecimento. As informações relevantes, chegam no estágio final do projeto e de forma ainda superficial. Muitas vezes, utilizam-se de linguagem complicada, altamente técnica e termos jurídicos que a maioria não compreende. As consultas públicas também se tronam rituais de fachada em que alternativas não são nem apresentadas ou discutidas. Apenas no degrau de “pacificação” inicia-se certa influência, mas ainda sem acesso ao poder. O grau da organização comunitária vai determinar o alcance da influência dos excluídos. Os técnicos continuam não propondo soluções realmente inovadoras e mantém as formas tradicionais administrativas e gerenciais que não atingem as raízes da pobreza. Maior avanço na distribuição do poder ocorre com a “parceria” em que acontece uma compartilhamento das tomadas de decisões, fato que exige a existência de comunidades bem organizadas, com lideranças competentes, capacidade de apresentarem documentos bem elaborados e poder de mobilização que podem forçar o poder público a ceder alguns aspectos e remodelar projetos originais. As negociações podem resultar em estágio em que o poder popular possa chegar mais próximo do “controle cidadão”. Só nesse degrau final a autonomia seria alcançada em que as comunidades possuem total acesso e controle do planejamento, execução e gestão dos projetos. A falta do controle cidadão, segundo a autora, só provoca prejuízos para a sociedade como um todo em que acontece a segregação, a “balcanização dos serviços públicos” e a perda da oportunidade para que projetos alternativos muito mais eficientes e justos possam ser implantados.
A participação é inerente à natureza social do homem, tendo acompanhado sua evolução desde a tribo e o clã dos tempos primitivos, até as associações, empresas e partidos políticos de hoje. Neste sentido, a frustração da necessidade de participar constitui uma mutilação do homem social” (BANDENAVE, 1994: 17).
Muitas vezes são considerados marginalizados os que não estão inseridos no processo consumista ou o termo também é utilizado para determinar o grupo social considerado “inculto”, à margem dos “bons costumes” burgueses. No entanto, os marginalizados são resultado de acesso desigual aos recursos, em que um pequeno grupo social acumula riquezas e controla os meios de produção. A marginalidade acontece quando esse mesmo grupo dominante concentra também a tomada de decisões a seu favor. Participação, portanto, não pode assumir um caráter consumista e sim ser a luta pelo alcance de uma processo coletivo de transformação em que grupos marginalizados conquistam presença ativa e decisória na vida política e cultural da sociedade. BONDENAVE (1994) afirma que o objetivo final é a autogestão quando o poder público respalda as necessidades reais da população. Participação ocorre quando a história da sociedade passa a ser construída por todos e os meios de produção material e cultural são também possuídos e gerenciados por todos. O autor também dividiu a participação em graus diferentes, partindo do que chamou de “controle social”.

Fonte: https://www.researchgate.net/figure/Figura-1-Graus-de-Participacao-Fonte-Bordenave-1983_fig1_312255727
O menor grau de participação é quando os dirigentes informam sobre decisões já tomadas. No grau logo acima acontece uma consulta onde em alguns casos os dirigentes podem até solicitar sugestões, mas a decisão final já encontra-se pronta. Em um grau um pouco mais avançado, subordinados podem recomendarem algumas medidas. No grau “delegação” finalmente há maior autonomia, mas ainda com limites e apenas na “autogestão” os marginalizados determinam seus objetivos, deixam de ser excluídos e não existem mais autoridades externas.
Quando o governo controla a participação do povo, mas não é controlado pelo povo, é sinal de que ainda falta muito para se chegar à sociedade participativa. Nesta, o povo exerce o controle final das decisões, nos mais elevados níveis (BORDENAVE, 1994: 36).
Referências
ARNSTEIN, S. R. Uma escada da participação cidadã in Revista da Associação Brasileira para o fortalecimento da Participação Vol 2. Porto Alegre, 2002.
BORDENAVE, J. E. D. O que é participação. São Paulo: Brasiliense, 1994.
Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ) com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ), pós graduação em História da Arte (PUC Rio), Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis. É diretor da Arcalama Serviços de Comunicação